Alaska

17/05/2011 16:11

         Saímos de Vancouver através da Gold Rush Trail, talvez uma das estradas mais bonitas de toda a viagem. Atravessamos rios e lagos congelados, cruzamos diversas vezes com viadutos ferroviários. Os trilhos pareciam costurar o caminho com as estradas, se cruzando e se entrelaçando, de maneira que nos lembrávamos constantemente daqueles trenzinhos de brinquedo comuns na vida de qualquer criança.

Paramos para dormir numa cidadezinha chamada Quesnel, onde descobriríamos as principais diferenças de se dirigir um automóvel na neve. Primeiro, o susto: a partir de zero grau, a água congela.

O conceito básico de uma das primeiras aulas de ciências na escola pareceu ser totalmente esquecido. Foi somente ao ligar o limpador de para-brisas é que nos lembramos. Já com o jatinho de água congelado quando saía pelo seu orifício. Descobrimos então que tínhamos que comprar um líquido que resiste até quarenta graus abaixo de zero.

Até que a água tivesse descongelado o suficiente para fazer o limpador funcionar, éramos obrigados a parar o carro constantemente para jogar o tal líquido por fora do carro, manualmente, em um frio que só tornava cada parada mais irritante ainda. Mas que solucionou o problema. Após algumas paradas, as coisas já haviam se normalizado.

Correntes eram obrigatórias em todas as estradas. Felizmente não foram necessárias. Pazinhas de plástico serrilhadas também se revelaram bastante úteis, principalmente quando acordávamos cedo com o carro quase soterrado pela neve.

A velocidade diminui bastante, seja pelo asfalto escorregadio ou pelas constantes borrascas que nos afligiam, diminuindo a visibilidade. Ao chegar a Prince George, após conversarmos com diversos moradores da região, percebemos que estávamos em um dos invernos mais rigorosos dos últimos anos. Geralmente, em março, as estradas já estariam em melhores condições.

Foi então que decidimos mudar o roteiro, chegando ao Alaska através de sua capital Juneau. De barco, no qual embarcamos em Prince Rupert, já na fronteira.

O barco faz um lindíssimo passeio por entre os fiordes do sul do Alaska, montanhas tomadas por neve na copa dos incontáveis pinheiros. Incontáveis também eram as ilhas que formam essa paisagem branca que contrasta com o azul escuro do mar calmo, protegido dos ventos pelos fiordes.

Após dois dias, chegamos à cidade, pequena, mas extremamente charmosa. Suas pequenas casas espalhadas pelos morros a beira-mar lembravam os filmes antigos de garimpeiros aventureiros da época da corrida do ouro. De fato, diversos bares, restaurantes e lojas usam nomes sugestivos e mostram artigos antigos de garimpo.

Hoje, a principal atração turística da região é a fauna. Orgulhosos por dizer que existem mais de um urso por habitante no estado, os habitantes da cidade só lamentavam o fato de ainda ser inverno, quando esses simpáticos moradores hibernam.

Se tampouco conseguimos ver alces, pelo menos nos divertimos vendo águias-carecas, aves-símbolo do brasão americano, que caçavam peixes ou até mesmo os roubavam de gaivotas. Lobos e cervos atravessavam a estrada, enquanto leões-marinhos acompanharam o barco em alguns trechos.

E a comida também era mais variada. Desde carne de caribu (algo entre o cervo e o alce, lembrando uma rena) até o gigantesco e delicioso King Crab do Alaska. Além nos esbaldarmos na fartura de salmões e halibuts, peixes comuns da região. Sem contar a deliciosa sopa de mariscos que nos era servida de entrada na maioria dos restaurantes.

Além disso, cervejas artesanais locais, como a Alaskan e a Red Dog, disputavam em sabor com as já conhecidas Coors Light e Bud Light.

A Aurora Boreal, infelizmente, não foi possível ser vista. O show de luzes, criado pela mãe natureza aos habitantes do extremo norte de nosso planeta, não é fácil de assistir. É necessário estar no dia certo, na hora certa, afastado das luzes da cidade e com tempo perfeito sem nuvens. Estávamos com tudo certinho, mas as nuvens não deram trégua em nenhum dia.

Na verdade, desde Vancouver, era difícil conseguir ver a luz do sol através do céu branco tomado de nuvens que, uma vez ou outra provocavam chuva, ou neve, principalmente à noite.

Tampouco conseguimos ver cachorros como Huskies da Sibéria e do Alaska puxando trenós. A maioria deles estava competindo na tradicional corrida de Iditarod, que atravessa o extremo norte do Alaska por mais de mil e cem milhas, durando de duas a três semanas.

Mas pelo menos conseguimos chegar ao Glacial Mendehall, atração maior da região. Trata-se de uma parede de gelo que se forma sobre um rio que fica congelado durante o inverno. No verão, após o degelo, o glacial até diminui o tamanho, mas fica sempre presente, contrastando seu azulado com a verde vegetação local. Sua presença chega a diminuir em até dez graus a temperatura do vale, quando comparada a temperatura da cidade.

E a grande vantagem de conhecer o glacial no inverno é que é possível conhecê-lo de perto, andando através da superfície congelada do rio. Inúmeros são os avisos de “cuidado: a partir desse ponto, visitantes estão por sua conta e risco”. O gelo é extremamente instável e perigoso, em qualquer época do ano, propenso a rachar sem o menor motivo e a qualquer momento.

Só pude ter coragem de andar os cerca de dois quilômetros após ver uma família de montanhistas, organizada, que permitiu que eu seguisse seus passos. Foi uma experiência única de tons de azul brilhante que se misturavam com o branco da neve e do rio que corria gelado por sob meus pés.

Chegando perto, o paredão assusta. O equivalente a um prédio de cinco andares, de irregulares e gigantescos blocos de gelo, que tomavam as formas mais variadas e curiosas. Foto nenhuma consegue passar a emoção de estar diante de algo tão grandioso e indescritível.

E assim, recheados de paz em nossos espíritos, tomamos o caminho de volta para Vancouver, deixando para trás a última fronteira, e nos preparando para voltar para casa.

https://doutoresdaselva.spaces.live.com/default.aspx

© 2010 Todos os direitos reservados.

Crie um site grátisWebnode