Equilíbrio

17/05/2011 15:56

Equilíbrio.

Capacidade que nos permite balançar sobre forças opostas, sem deixar a peteca cair. Podendo ser essa força de origem natural, como ventos, frio ou a própria gravidade, ou emocional, de diversas origens. Era justamente o que o tal do Vórtex de Sedona proclamava resolver.

Desequilíbrio.

Difícil conseguir explicar, em mais palavras, o que ocorreu conosco após a saída do Grand Canyon. Mas, certo mesmo, é a importância de uma palavra, fundamental para que tivéssemos a coragem de entrar de cabeça, juntos, nessa aventura. E é imprescindível não citá-la antes de contar o que aconteceu.

Confiança.

Só mesmo com muita confiança, um no outro, que poderíamos nos sentir seguros de estar lado a lado, sem medo, durante vinte e quatro horas por dia, durante três meses. O convívio extremo transforma pequenas características em grandes defeitos. A cada momento em que algo não sai da sua maneira, o parceiro tende a assumir a culpa, mesmo sem saber exatamente o que aconteceu.

Reações intempestivas após curvas erradas geram irritação. Geram mais irritação ainda quando um desconta no outro, de várias maneiras. Primeiro, achando que a culpa é do copiloto. Depois achando que o copiloto tem certeza de que a culpa é do motorista. E colocar a culpa desses pequenos erros na pobre Fifi (apelido carinhoso de nosso aparelho GPS, que tem uma voz feminina) já não parecia mais suficiente.

Se um dos dois ronca muito alto. Se o outro passa muito tempo no telefone tentando achar sinal, ou ligando pra casa. Se um não consegue dormir. Se o outro dorme demais. Se um tem fome quando o outro não tem. Ou se fica ofendido por não querer beber uma cerveja quando o outro quer beber. Tudo, na verdade, são pequenas coisas. Que nunca gerariam uma irritação maior em situações normais de temperatura e pressão.

Mas a pressão da estrada aumenta a cada dia a mais que ficamos longe de casa. Além da saudade, a falta de assunto gera conversas ainda mais íntimas e filosóficas. Opiniões contrárias aparecem em assuntos que, antes, pareciam ser unanimidade na família. Dúvidas surgem.

Claro que já tínhamos tido pequenas discussões, como essa, durante outras etapas da viagem. Esse impasse existiu, inclusive, quando realizamos a viagem Coast-to-Coast, quinze anos antes. Já sabíamos perfeitamente que esses momentos existiriam, antes mesmo de sair do Rio.  O que só consolidou ainda mais a confiança de um no outro.

Todavia, ao chegar a Las Vegas, algo aconteceu. A discussão dessa vez não parecia ter motivo algum. O que só serviu para aumentar ainda mais a irritação de ambos os lados que, orgulhosos, se recusavam a conversar. E o clima decadente da cidade do pecado não parecia ajudar muito também.

Caminhando sozinho de um cassino a outro, pelas calçadas sujas e escuras, tropeçando em mendigos que ansiavam por esmolas para que pudessem sustentar seu vícios nas máquinas de caça-níqueis. As luzes de neon não pareciam conseguir iluminar o meio-fio. Mulheres de beleza questionável, dançando sobre mesas de jogo com sorrisos falsos, vestindo roupas curtas que pareciam não ter sido feitas para elas. Na verdade, um grande contraste com todos os lugares por onde passamos pela viagem.

Tudo parecia indicar que, além de tudo, estávamos no lugar errado para tentar resolver qualquer impasse. E só o que tínhamos na cabeça era isso. Nem ganhar duzentos dólares em uma mesa de pôquer pareceu melhorar o humor. Tínhamos que voltar a estrada. E lá, conseguiríamos a reconciliação.

Dessa vez, a próxima parada estaria muito longe, já do outro lado da fronteira. Por estradas secundárias seguimos, através dos vazios demográficos de Nevada, Idaho e Oregon, atravessando vales e fazendas tingidos de branco pela neve que já começava a derreter.

No Oregon, inclusive, atravessamos uma das estradas mais bonitas, às margens do rio Hood, no que parece ser um pequeno canyon, como deve ter sido o Grand Canyon alguns milhares de anos atrás. As paredes de pedra castanha eram suaves e regulares, num desenho cuidadoso. No alto de uma das margens, era possível ver diversas turbinas de energia eólica no que depois descobriríamos ser um parque ainda maior do que aquele que atravessamos no sul do México.

Entramos no estado de Washington em busca do que seria o salto de bungee-jump mais alto do país, que, infelizmente, encontrou-se fechado. Mas já a partir dali começamos a enfrentar estradas tomadas pela neve, beirando rios de um verde água claro formado pelo degelo do fim do inverno.

E chegamos a Vancouver, após mais brigas e reconciliações, com o doce sabor na boca de objetivo cumprido. E, se conseguimos chegar aqui duas semanas antes do previsto, porque não ir até o fim, chegar até o Alaska, a fronteira final?

E assim, decidimos. Pena que durante a celebração, tive uma recaída. Finalmente relaxado, após o fim de um turbilhão de emoções, sucumbi rapidamente aos efeitos do álcool. E nessa euforia etílica, coloquei em risco nossa viagem, nosso carro, nossas vidas.

O acidente automobilístico não foi tão grave, tanto que deu perfeitamente para seguirmos viagem. Ninguém se feriu. O outro carro tampouco ficou inutilizado. E a polícia, surpreendentemente compreensiva. Mas o fato acabou gerando mais uma discussão, que seria a última, mas que somente se resolveria no barco, a caminho de Juneau...

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